sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Eviscerados



Aos meus amigos lobisomens, eternos famintos. 


Estapafúrdia decisão! Ignomínia sentença! Estou sorvendo os sabores amplificados, inspirando em paroxismo todas as nuanças do mundo ao meu redor.

Do mundo a me cercar de certezas e a engravidar-me de dúvidas. O poder das sensações agradáveis, das questões que fortalecem meu espírito em busca da verdade, seja ela relativa, seja ela absoluta.

Aliás, o absolutismo, agora da vontade, é inspirador. Dói. E seduz. Produz a abundante saliva que escorre trêfega por entre dentes, que caminha resoluta pelos lábios inchados de raiva, e toca o chão viscosa, solene.

Decisão estapafúrdia!

Na sua, nas suas, estultices, de um canto ao outro, faz a ignorância sorrir, sabedora de mais uma, várias, vítimas descuidadas.

Conquanto seja condição necessária, sabe a irmã dos sábios, aos pratos.

Eu olho a retórica imprevisível a escapar-lhe da boca carnuda, por isso tão irresistível, e aquiesço. Pois me é necessário. A necessidade constrói em mim toda permissão às tentativas da ignorância que me serve a mesa.

Risco o ar contaminado de receio e fragilidade. A frágil constituição do mole, do suculento. A fraca arquitetura do tenro. O endereço que enseja o acelerar do ritmo. Do coração. Da ânsia. Da sanha. Da fera. O lugar que dilata as pupilas verticais. Vermelhas. Amarelas. Negras. Horríveis. O repouso que incita o odor do hálito prenhe. De angústia. De sofrer. De cortes. Profundos. De rasgos. De buracos doloridos. Percucientes.

Enfim, daquilo que me fará parar por instantes. Que me fará concentrado num único valhacouto. O único momento onde as certezas e as dúvidas se misturam em uma barafunda inconseqüente e indissociável. E o resto do pasto está livre. Para fugir. Para tentar.

Reservo algumas sentenças para o final. Elas ajudarão na tarefa. Aprendi com a natureza. Aprendia com a ignorância. Entendi emprestando a sabedoria do instinto que guia cego, mas empurra com o cuidado exato.

Estou de pé. Olho todos os pormenores da ocasião. São, quase sempre, os mesmos. Quando não, alteram apenas a matemática.

Como rosnei. Estapafúrdia decisão. Acompanha-a ignomínias. Justamente. Como no inicio. Como no meio da travessia. Como no final.

Da carne.

E do espírito assustado que tratou de fugir.

Com o terror nos olhos de quem sabe o medo que lhe convém. Que lhe ri na cara.

Ontem encontrei-me com a verdade. Uma senhora sisuda que conta piadas como poucos. Ao rir, seus dentes nos confundem no brilho jocoso, alvo. Este detalhe é fascinante.

Quando sorri de volta, numa mesura involuntária, a procurada dama estremeceu. Hirta, fitou-me com raiva declarada. Com ira entregue sem digressões.

Em resposta, instintiva, tomei a postura como desafio. Não se encara a besta. Não se provoca a dor sem comprar a entrada. O preço é sempre o mesmo. Caro. Para qualquer um que vá ao espetáculo.

O tempo verbal, agora, não importa. Estou marcado. Bem marcado.

Gosto da marca.

Grito.

Uivo.

Urro.

A velha e inalcançável? Senhora que gosta mesmo de piadas. Contou-me uma de suas preferidas. Rimos juntos. Ela tem muito a dizer ainda. A ensinar.

Meus dentes, minhas garras, minha raiva, minha fome. Estes são os contextos nos quais ela exige o cumprimento da tarefa.

Qual? Estapafúrdia decisão. Ignomínia sentença.

A de lhe cortar, sangrar e engolir

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