Havia sempre uma falta perspicaz. Alguma coisa deliberada. Um dolo quase sutil. Mas, nada disso desviava o curso ferino da necessidade. Repoltreavam-se como nubentes provincianas desesperadas a quem o tempo já desistiu de dar-lhes chance alguma. Escorriam as catadupas por suas sensações, com pezinhos nervosos termendo em cada centímetro, as vezes imiscuindo-se em buracos e buraquinhos, uns mais sorumbáticos, outros mais eróticos. Não raro mordiscavam, provocando arrepios tépidos, ou sofrimento atroz. Certos dias, os dois. Então, observavam, me parecia, sinceramente:
- Você não é especial. Não, não, não. É, somente, carne. Das boas, admitimos.
Sozinha, as coisas pioravam. Não existia outra maneira. Acompanhada, dividia, pelo menos, a angustia. Mordidinhas saltavam para a companhia, que se coçava, primeiro, e depois exaltava-se. "Mas, o quê?!" Fugia, correndo, apavorada, dando-se palmadas, espalhando todos que sofressem os pespegues das palmas assustadiças. E eles alvoroçavam em corridinhas miúdas, pra lá e pra cá, como espasmos crônicos e auto-suficientes. Para depois voltarem-me, mesmo que minha careta infeliz pedisse mais trégua. "Um pouco mais, só um pouco mais, por favor." Lamentações nunca os distraíram. Apiedar-lhes? Uma risada gorda era a resposta.
Quando a resignação foi, enfim, a mais importante atitude, dei-me por satisfeita. Isso aliviou o fardo. Bastava-me, quem diria, admitir que sua determinação não encontrava coisa que fosse mais férrea. Um atributo invejável, hoje sei. Passo horas sentada em frente ao nada, vislumbrando quantas picadas, quantas chafurdadas, quantos dentinhos, bem pequenininhos, miudinhos mesmos, conseguirei contar. Já se foram centenas de milhares. Tenho uma biblioteca de cadernos cheios de números. Será que o infinito destes estará na ininterrupta vontade deles também?
A porta recebe umas pancadas. Assanham-se, os danadinhos. Cada toc, toc os atinge com uma sofreguidão inspiradora. Me pergunto: eu não era só carne? Ali, atrás da porta também é, ora bolas.