quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O Dragão na Garagem




- Mãe! Pai! Corram! Está a prestes a me atacar! Socorro! 

Quando chegaram, Ela, com olhos azeviches, e um intenso rutilar no centro, interrompeu o avanço. Ficou a olhar-me, premendo os lábios numa fina linha sorridente, com um laivo de satisfação preenchendo-lhe a careta corrompida. Permaneceu fora da área coberta pela parca luz que atingia o centro do ambiente. Mas, ainda assim, podia escruta-la em detalhes. Mamãe e papai não. Por mais que eu gritasse e apontasse. Subiram comigo, ao meu quarto. Com muito esforço, me convenceram de alucinação, ilusão de óptica, e tantas outras explicações racionais. As noites seguintes foram veiculo ao terror, vez que a lembrança daquela vicissitude demorou a perder o viço. Muito se passou da vertiginosa noite na garagem. Conquanto convencido estivesse da quimera pueril de outrora, uma incomoda reminiscência assaltava-me toda vez que necessitava descer ao local da insólita retentiva. Assim, da ultima vez que precisei lá ir, a fleuma aguardava-me. Uma epifania mesmo. Naquela data, sem tempo a gritar por préstimos de papai e mamãe, A preferida dos demônios aproveitou obstinadamente o ensejo e golpeou-me com estenia hercúlea. No estertor que alastrava-me fustigante, o ineludível, enquanto libava-me o vermelho fluido, sentenciou, lacônica: 

- Agora sou mais que um teorema, não é mesmo? 

(...)

- Papai! Mamãe! Ele grita. Então encaro-o, e meus lábios dilatam em mordaz sorriso e contumaz avidez.